Hoje, vou deixar transparecer meu tom simplório e meu estilo demasiado rebuscado. Atenho-me a descrever, ao menos, as estranhas sensações por quais passam os poetas. Ser exato nesta tarefa configuraria blasfêmia, uma vã tentativa de profanar o que é a qualidade mais sagrada no sacerdócio poético, a inspiração. Afinal, o que esta tal inspiração significa para o Poeta?
Muitos poderão, e já o fazem, falar que poetas são por demais adocicados, manipuladores, vãos sedutores, lunáticos, malucos. Há ainda aquelas pessoas mais “práticas”, que imaginam que poetas não têm mais o que fazer de útil na Vida.
Esse pequeno prólogo, serve para apresentar um texto que compus há dois anos, perdido em blocos de anotações antigas, que ainda estão por ser revistos. Eis uma breve reflexão sobre a essência da Poesia.
Palhoça, 16 de setembro de 2007, 20:55h.
São quase nove horas da noite e ainda não entendi bulhufas acerca do que eu mesmo escrevi, ao que me atrevo a chamar poesia. São três estrofes subjetivas demais, que me soam incoerentes e desconexas. Tento entender, e me pergunto por quê estaria passando meu tempo a escrever incoerências. Será que um poeta não teria nada mais o que fazer de útil? Mas, de uma coisa eu tenho certeza: não são apenas pensamentos do Limbo; são muito mais do que pandorgas ao vento.
O Poeta é um ser estranho: ri de tudo ou chora por tudo. Não consegue ser indiferente a coisa alguma, a não ser à própria indiferença. Para ele, a indiferença é algo que não foi realizado em sua essência; é aquele estado de coisas que sucede ao aborto de um desejo, e tem aquela cara de Megera das histórias de Medeia. Medeia frustra-se com o desamor de Jasão e procura as Megeras para vingar-se daquilo que não foi.
Para fugir à indiferença e sua tentação a relativizar todas as coisas, o Poeta suga todo o Ar ao seu redor, inspira o que lhe estiver vizinho. Sublima tudo aquilo, como em uma Alquimia cardeal, e expira o mesmo ar com impressões diversas da realidade. Ele traz sonhos à tona. Todo os elementos da Natureza humana – sutis e grosseiros – lhe está disposto, em seu ateliê. Então, como num passe, suas mãos tecem bordados de flores, linhas de pipa, cubos de cera. Produz mel de um pote de água e distribui ao seu colibri, seu Pássaro Vestal, para transmutar tudo que está definhando, para catalizar sua própria dor por estar preso em uma jaula de carne e ossos, jaula essa com prazo de validade determinado. Então, brincando e rindo-se de si e de seus feitos, o Poeta bagunça tudo que está arrumado, despedaça o que se cristalizou.
O Poeta tem uma religião: o Poeticismo. Poeticismo não é Musismo (culto às Musas), pois as Musas lhe são por guarida e protetoras, mas não lhe são por senhoras. Poeticismo é a prática diária de estar perplexo e relatar, em atas congêneres, o resultado desse transe. Tal é o processo que consiste em inspirar o ar intragável para a maior parte da humanidade doente (da qual ele faz parte), sentir sua dor, e transmutá-la em sons harmônicos. Da dor, também nasce harmonia; do lodo, nasce flor.
O Poeta aprende a reconhecer o brilho nos olhos das pessoas. E não é esse brilho simples de paixão ilusória, de quem acaba de encontrar “a pessoa de sua vida”, ou o “salvador de seu mundo”. Ele sabe reconhecer, sim, o olho da mudança, o furacão se aproximando.
Ora, o furacão é indomado. Contra ele, nada podemos. Então, ele por nós passa, ameaçador, nos refresca, nos sacode, tira tudo do lugar, e ficamos maravilhados com todo esse Poder. Esse é o brilho nos olhos pelo qual o Poeta procura, pois ele tem a mesma ânsia do furacão: purgar, limpar o terreno para que tudo possa vir a ser reerguido.
O Poeta aprendeu que não se deve escrever apologias, mas sim analogias. A essência da Poesia é preservada na metáfora. Um Poeta não escreve ‘eu te amo’ simplesmente para dizer ‘eu te amo’. Nas entrelinhas, há muito mais que essas três palavras. Ele escreve códigos, destila letras soltas nas rimas, arranjadas propositalmente, para que o Amor do ‘eu te amo’, aparentemente genérico, tenha sentido único para quem o leia. É como se ele inserisse, em cada estrofe ou poesia, uma equação, que determinasse qual sentido terá para a destinatária.
Enfim, o Poeta deixa pistas para que todos encontrem, com sabor, o que ele próprio gerou a partir de um sofrimento. E aqui não me refiro ao sofrimento apenas como dor, mas como parto daquilo que estava sendo gestado na Alma do Mundo.
Tal é o que aqui rumino, mastigo. Isso é o que, neste momento, gero e regenero.
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