O assunto desse domingo, sem mais ninguém pra pegar no pé, é sobre uma de minhas dúvidas antigas. Dúvida cabalística, pra variar! Esse vosso blogueiro meio doido, meio infantil, este que vos fala, alquimista desastrado e manipulador de teorias mal buriladas, resolveu fazer marcação cerrada ao Zé Ramalho. Mas, por quê ao Zé Ramalho?
Apesar de eu achá-lo meio estúpido ao tratar com pessoas curiosas e que discordam de suas maluquices e que querem rivalizar-lhe em loucuras, realmente ele têm um gênio artístico incrível para tornar as coisas mais simples em enigmas arcanos indecifráveis. Às vezes, beira à verborragia mais crassa, uma versão mais estilizada do fenômeno do “encher linguiça”.
Essa semana, ao reler alguns livros eletrônicos, reencontrei o livro A Chave dos Grandes Mistérios, de Eliphas Levi, ocultista do séc. XIX. Me recordo que, por curiosidade, parei na página 197 (da versão digital) do livro, e daí não passei. E por quê?
A canção Avôhai, do Zé Ramalho, é uma das composições da MPB que mais provocaram curiosidade acerca de seu significado em toda a história. O tom dos versos dessa música tem nuances tão místicas que quase nunca conseguimos levar em conta somente a interpretação dada pelo autor, apesar de, aparentemente, óbvia.
Ele explica (e já o teria feito centenas de vezes) que a canção é uma homenagem sua a seu avô Raimundo, que o criara desde menino por ocasião da morte de seu pai em um açude da família. Também sua avó morrera nesse meio tempo. Ele teria composto a letra e a melodia durante uma de sua “viagens” com amanita (um tipo de cogumelo, do qual se faz um chá), na qual ele tem uma visão de seu avô, descrito nos versos.
Na época da morte do avô, Zé e ele estavam brigados e não se falavam há anos. Essa visão teria sido como que uma reconciliação entre os dois, bem como uma forma de libertar Zé Ramalho de seus remorsos e mostrar-lhe a situação em que seu avô se encontrava no Mundo Além-Vida. Sendo assim, Avôhai seria a junção Avô+Rai (de Raimundo). Mas, então, por que Zé não escolheu o termo Avôrrai? O mais natural seria a interpolação de um par de erres, o que manteria a estrutura do nome Raimundo, ao invés de um “H”.
Voltando ao livro...
O Tetragramaton é o nome inefável de Deus para os judeus, formado das letra Yod-Hê-Vav-Hê (Tetragrammaton – escrito e lido da direita para a esquerda – em grego, quatro letras). Para os cabalistas, simboliza os quatro elementos da Natureza (em ordem: fogo, ar, água e terra) e os quatro naipes do Tarô (Paus, Copas, Espadas e Ouros). Segundos os mesmos cabalistas, o nome não deve ser pronunciado, não somente por respeito, mas também porque somente aquele Mago que tem absoluto controle sobre os Quatro Elementos é capaz de pronunciar o Santo Nome de forma correta.
A letra Yod simboliza o Pai, o Espírito; o primeiro Hê representa a Mãe, o primeiro receptáculo do Impulso Universal; o Vav representa o Filho, a Palavra, o princípio realizador da Criação, e o segundo Hê é a Noiva, o elemento concreto e material, que espera o Filho para o Casamento Alquímico (união entre matéria e Espírito). Logo, o Tetragrammaton, com Yod em primeiro lugar e o Segundo Hê por último, representa a predominância do Espírito sobre a Matéria irracional.
Indo mais além, algumas Tradições indicam que o verdadeiro nome do Diabo, que é a força que atrai para a matéria e busca escurecer o Espírito sob os impulsos irracionais dos instinto, seria, obviamente, o Tetragrammaton escrito ao inverso. Enquanto o Tetragrammaton, se tentarmos pronunciá-lo, soaria, em hebraico, como Yehovah, se escrito ao contrário sairia como Havohai. Simbolizaria a afronta da matéria ao Espírito, a Serpente que busca subir pela Árvore da Vida , conquistar o Paraíso e profanar o Templo do Deus Vivo. Funcionaria como um mantra blasfemo de negação da Divindade.
No livro supracitado, na página 197, Eliphas Levi dá uma das pronúncias possíveis ao Tetragrammaton inverso, que ele escreve Hevayoh (ch=h aspirado em hebraico, e o “j” claramente é uma semivogal, tendo som de “I”). Mas, Havohai também é possível como pronúncia alternativa e, na minha opinião, a mais linguisticamente próxima de Yehovah (ao inverso).
Seria a música Avôhai, de Zé Ramalho, uma invocação mágica da Força da Esquerda? Saberia, Zé Ramalho, do perigo que representa a mentalização e vocalização dessa palavra? Por que ele nunca respondera aos inúmeros recados e emails, ao menos por educação e consideração para com seu público, do qual faço parte, pedindo informações? Educação e simpatia parecem não ser os pontos fortes da personalidade de Zé Ramalho!
Abaixo, a letra da música Avôhai, seguida de seu videoclipe:
AVÔHAI
Um velho cruza a soleira
De botas longas, de barbas longas
De ouro o brilho do seu colar
Na laje fria onde quarava
Sua camisa e seu alforje
De caçador…
Oh! Meu velho e Invisível
Avôhai!
Oh! Meu velho e Indivisível
Avôhai!
Neblina turva e brilhante
Em meu cérebro coágulos de sol
Amanita matutina
E que transparente cortina
Ao meu redor…
Se eu disser
Que é meio sabido
Você diz que é meio pior
Mas e pior do que planeta
Quando perde o girassol…
É o terço de brilhante
Nos dedos de minha avó
E nunca mais eu tive medo
Da porteira
Nem também da companheira
Que nunca dormia só…
Avôhai!
Avôhai!
Avôhai!
O brejo cruza a poeira
De fato existe
Um tom mais leve
Na palidez desse pessoal
Pares de olhos tão profundos
Que amargam as pessoas
Que fitar…
Mas que bebem sua vida
Sua alma na altura que mandar
São os olhos, são as asas
Cabelos de Avôhai…
Na pedra de turmalina
E no terreiro da usina
Eu me criei
Voava de madrugada
E na cratera condenada
Eu me calei
E se eu calei foi de tristeza
Você cala por calar
Mas e calado vai ficando
Só fala quando eu mandar…
Rebuscando a consciência
Com medo de viajar
Até o meio da cabeça do cometa
Girando na carrapeta
No jogo de improvisar
Entrecortando
Eu sigo dentro a linha reta
Eu tenho a palavra certa
Prá doutor não reclamar…
Avôhai! Avôhai!
Avôhai! Avôhai!
- Foto de capa: Rafael Passos, via Box Brasil. Acesso: 30 de outubro de 2019.
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