Hipocrisia, incoerência e cinismo


É comum, no discurso politicamente correto da atualidade, a acusação contra certas pessoas por hipocrisia. Se alguém age como amigo dos pobres, mas vive na riqueza, é porque não passa de um hipócrita. Se diz aos filhos para não fumarem, mas continua fumando, é outro hipócrita, falso. Faz o que digo, não o que eu faço.

Mas, como venho alertando às pessoas do meu convívio, o povão, mal sai da classe de alfabetização, já se acha na condição de formar opinião sobre tudo e todos. E, não temendo envergonhar ancestrais e seus professores (os mais antigos), saem por aí a arrotar inflamados discursos pseudo-moralistas aos quatro ventos. Isso é hipocrisia? Não, isso é falta de boa educação e imprudência!

Quero dizer aos acalorados defensores da nova a-moralidade que, semelhantes à hipocrisia, há outros dois tipos de comportamentos que coadunam com a disparidade entre discurso e conduta (entre o que se prega e o que se faz na prática). Mas, expliquemos o que é a hipocrisia e como se manifesta, à minha percepção, esses outros dois padrões:

  • Hipocrisia — O sujeito prega algo aceito pela maioria como bom e muda o discurso quando conveniente; age, na intimidade, como quer, nem sempre de acordo com o discurso; em público, mostra-se, sempre, como boa pessoa ou revolucionário idealista e cobra moralidade daqueles cujas ações não coadunam com seu modelo de moralidade.
  • Incoerência — apenas semelhante à hipocrisia, mas que, diferentemente, é isenta de calculismo. A pessoa conhece a disparidade entre o que prega e o que pratica, mas não costuma aparecer em público como pessoa ótima. Esforça-se para ensinar o que é bom, de forma peremptória, e praticar o que ensina, porém sem jamais se colocar como modelo de perfeição.
  • Cinismo — é a evolução natural da hipocrisia (para pior, é claro). O sujeito passa a acreditar que é um perfeito modelo de conduta, negligenciando a incoerência entre o que prega e o que faz (mesmo intimamente). Isto o torna superior aos outros (apenas aparentemente), pois a censura da Consciência se torna viciada e é proscrita. Movido por seus desejos desordenados, sem pudor ou medo de reprovação, usa sua teatralidade incomum e passa a pregar más condutas como boas, vícios como virtudes, crimes como atos heroicos. Isso acaba descambando para a injúria contra todos que lhe contradizem, julgando bons aos desavergonhados e maus aos que se esforçam no alerta moral da sociedade.

Exemplos:

  • Um homem incoerente falará que fumar faz mal muito mal à saúde, embora admita, publicamente, que fuma de vez em quando (ou, mesmo, que fuma há, digamos, 20 anos).
  • Um hipócrita dirá que detesta cheiro de cigarro, que fumar é horrível, causa câncer, mata, vive perfumado e faz cara de ojeriza diante de dedos amarelados pela nicotina. Mas, ao fim da noite, corre para o terreno baldio afastado de casa para fumar, sofregamente, dez cigarros em uma hora;
  • O cínico, tendo passado seus anos “lutando” hipocritamente contra o cigarro, resolve assumir o vício do fumo, após descobrir os milagrosos efeitos libertadores do cigarro, pelo qual opera uma verdadeira catarse e expiação por seus pecados. É um homem renovado. Totalmente tomado pela metástase do auto-engano.

Quanto a esse simplório (mas, bem ilustrativo) exemplo, devo dizer que me enquadro no primeiro caso. Ainda assim, não é um estado psicopatogênico como o são os dois últimos.

Assim, aquele que acusa alguém de hipocrisia pode ser flagrado em sua própria hipocrisia, ou mesmo cinismo, como “um cego guiando outros cegos”, ou então “tentando tirar os ciscos dos olhos” alheios. Que o seu sim seja sim, e o seu não seja nada mais que não. Todo o resto procede do Diabo.

Ora, ser incoerente não é ser hipócrita. Não é porque sou viciado em nicotina que vou me furtar a alertar a todos quantos possa dos males do cigarro, como fazem os politicamente corretos ao se omitirem em nome de uma falsa paz. Nem mesmo irei defender o uso de algo prejudicial, de forma cínica, apenas para justificar tal uso diante daqueles que não o aprovam. Ainda assim, viver algo que destoe do que se prega não é tão patético quanto inverter os valores das coisas óbvias, transformando bens em coisas más, honestidade em crime, convicções em intolerância, perversão em algo saudável ou aberrações em direitos humanos.

Por Júlio [Ebrael]

Blogger, amateur writter, father of one. Originally Catholic, always Gnostic. Upwards to the Light, yet unclean. // Port.: Blogueiro, poeta amador, pai. Católico, casado. A caminho da Luz, mas sujo de lama.

10 comentários

  1. As vezes a pessoa realmente acredita no seu intimo que cigarro faz mal a saúde, mas não consegue deixar de fumar as escondidas por uma questão de fraqueza, por não conseguir controlar seus impulsos e seu vicio. As pessoas são muito mais complexas do que imaginamos. Nem sempre vivemos aquilo que acreditamos. Somos imperfeitos e limitados por natureza, por isso não conseguimos seguir nossas convicções a risca. Muitas vezes somos incoerentes sem nos darmos conta.

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  2. Eu acho que o negócio tá no pregar, só pregue quando você se liberta.
    Não posso (e agora um caso pessoal) pregar contra ou até mesmo a favor da mastrubação se eu nem mesmo me libertei disso. Aliás, msm se libertando a gente tem que deixar as pessoas escolherem se é certo ou não isso pra ela, até porque é algo muito pessoal. Fumar também, acho que já tá na hora de educarmos a sociedade pra terem seu livre arbitrio são (de sã) do que simplesmente sair proibindo, tipo: olhe os malefícios e consequências de tal vício, tá vendo? Agora de vire.

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    1. Somos cegos entre cegos. Podemos cair todos no mesmo buraco, ou mesmo em buracos diferentes? Sim. Mas, somos cegos.

      Pra mim, NÃO HÁ livre arbítrio, de fato, mas no máximo autonomia relativa. Não temos poder para, limitados como somos, nós libertarmos sozinhos.

      O ser humano é um animal social: não apenas segue exemplos alheios, desde o berço, como também se liberta quando outros se libertam. Quando eu alerto para que não fumem, não dou uma lição de moral, mas tão-somente digo para, deixando de fumar, as pessoas me ajudem a deixar de fumar. O ser humano não é mais forte que o grupo, jamais.

      Intuo que é o coletivo, alertado pelo indivíduo, que ajuda cada um dos indivíduos a progredir.

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