Felicidade não é algo constante, durável, perene. A ilusão de uma felicidade sem fim, ininterrupta, de um mar de rosas, é cruel, por vezes. A doçura de tal ilusão é atroz e cortante, traumática mesmo. Assim, podemos dizer que, quando nos lembramos dos “momentos felizes”, queremos dizer que nos apegamos aos “bons” traumas, como tatuagens em carne viva. A primeira e grande amizade, os festejos de Natal ao redor de uma mesa ou de um presépio, o primeiro beijo no qual nos reconciliamos ao grupo dos adultos que invejávamos, a bronca do professor que te fez aprender definitivamente a deixar de ser malandro na escola. Enfim, os traumas nos fazem humanos. Quando sentimos dor, então sabemos que estamos vivos (ainda).
Você não estoca felicidade. Nem mesmo a vive. Viver é ver o tempo de vida passar, é degradar-se, pouco a pouco, não importando se passamos tal tempo mais ou menos alegres ou tristes, saudáveis ou doentes, ricos ou pobres. Felicidade é o cumprimento do Destino ao nascer. E qual é esse único Destino possível? Veremos.
Nada na vida do homem é durável, exceto os laços de sangue e os de fraternidade. Por isso que, independente do que as pessoas queiram ou desejem para se realizar individualmente, nada servirá de verdade à realização pessoal se aquilo passar longe dos laços de sangue ou dos laços espirituais. O ser humano não é um ser apenas social. Ele é social porque nasceu em uma família e consegue pular o muro do medo que nutrimos do Mundo.
Esse medo, a que muitos chamam de medo de ser feliz, nada mais é que o egoísmo fundamental que nos faz querermos viver somente para nós, na garantia daquilo que não será compartilhado com ninguém além do espelho. Estamos intimamente ligados, primeiramente a um núcleo ao qual chamamos Família, que nos dá a noção de origem, de Memória ancestral. E é isso que faz, fundamentalmente, o intelecto de um ser humano se desenvolver de forma consistente: a Memória. Tal Memória carregamos nos genes, na pele e no Coração. Sem a Memória, por suas múltiplas facetas, nenhum ser humano consegue pensar de forma racional, apenas reagir como um autista, perdido entre milhões de sensações desconexas.
Felicidade é saber de onde viemos e aonde queremos ir. Sem Família, não sabemos de onde viemos, ao menos nesse Mundo, nem iremos muito além da sepultura e do kitsch final. Destino é ser feliz, mas não podemos ser felizes se nos bastamos a nós mesmos. Ser feliz significa não sermos jamais suficientes, mas complementares a outros, nossos “admiráveis mundos novos”.
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