Um homem beija a esposa e sai para o trabalho. A Morte sem vergonha, mal vestida, maltrapilha, o espreita junto do poste ao lado do portão de sua casa. O carro do homem sai, de ré, e ele não vê a Morte, mas ela lhe espera. É um assalto ao carro, o bandido ordena que o homem levante os braços. O carro se movimenta sem comando, a Morte se afoba e resolve tomar de assalto o marido e pai de família, cravando-lhe uma azeitona de chumbo na têmpora esquerda. É o presente que se vai e a esposa, desconsolada, requer o marido em seu presente. O presente da esposa nunca mais contará com a presença daquele que ela pensava ser seu. O presente tornou-se uma carcaça inerte aos olhos dos outros.
As pessoas vivem como se um tal passado ou futuro lhes pertencesse, como numa tal quimera ou sonho. Quando percebem que a Vida é feita de presenças instantâneas e, instantaneamente elas se vão, caem em desespero. Requerem o hábito, resistem no apego à lembrança, na dependência ainda imatura.
A moça está carente, definitivamente só, numa casa grande. O namorado está em missão no Iraque. Ainda assim, o que poderá ser mais importante que a presente carência ou solidão da moça? Que pensam os outros para que possa haver dor mais pungente que a minha? Se faço hemodiálise ou quimioterapia, acaso, não pode haver pessoa mais digna de cuidados do que eu?
Ora, essa tal meninice dos adultos de hoje é realmente algo a ser estudado pela Ciência. Quem pensa ser Deus para deixar de atender um pedido meu, pobre diabo, que labuta de sol a sol e paga suas contas na data certa? Quem penso ser, afinal?
Certo é que, assim como as crianças necessitam, por vezes, achar um motivo para chorarem, a fim de poder adormecerem, os adultos estão sempre à procura de alguém para culpar ou desmerecer. Por isso, muitos desejam conhecer pessoas novas cujos ouvidos lhes sirvam como penicos, aguentar-lhes chorar misérias ou, simplesmente, para que se convençam que há pessoas mais medíocres que eles. Não, não é raro encontrarmos aqueles que, quando mostram estar com pena de alguém, o fazem com alívio, por saberem que há, enfim, alguém que está mais submerso na lama do que eles.
O ser humano é a sua própria menina dos olhos. Até a caridade está contaminada pela vaidade, hoje em dia. Narciso era bem mais feliz à beira do Lago, diante daquele belo espelho de si mesmo. No entanto, não temos como ter certeza se teríamos como amadurecer, sair do reflexo do espelho, algum dia, ou se isso valeria mesmo a pena. Que pena!
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