Como já fiz em outras oportunidades (aqui e aqui), vou mostrar hoje como nós costumamos usar palavras das quais não sabemos o real significado. Não raro, inclusive, invertemos seus significados em favor de certas ideias que as mídias querem nos impor. A palavrinha sem-vergonha de hoje é Igualdade.
Em termos absolutos, a palavra que expressa correspondência entre as características de dois ou mais seres (ou objetos) é identidade. Daí, temos o adjetivo idêntico. Por exemplo, quando lemos “cédula de identidade”, quer-se dizer que aquele documento corresponde exatamente (ou pertence) àquela pessoa que ele representa. Pretende-se que aquela foto, estampada no tal documento, realmente é idêntica à pessoa que tem seu nome inscrito no documento. Isso é correspondência, isso é o que deveria estar consignado na Constituição: “Todos são idênticos em direitos e deveres, perante a Lei; isto é, todos são identicamente sujeitos à Lei”.
A palavra igualdade, com seu derivado adjetivo igual, não corresponde ao que aprendemos há pouco sobre identidade. Em latim, existem dois adjetivos, com suas respectivas qualidades derivadas, que expressam a ideia que se quer passar por identidade, mas que representa outra coisa. Tais pares de termos são: 1) æquus e æquitas, e; 2) æqualis e æqualitas [1].
Æquus, ao contrário do que possamos pensar, não representa a ideia de algo “igual”, objetivamente, mas de “justo” ou “justificado”. É uma ideia subjetiva e tem função qualitativa. Dizer que alguém é æquus é o mesmo que declarar que alguém age de forma proba, justa, lícita. Ou, melhor dizendo: que é “justificado” por suas ações objetivas. A Lei brasileira apenas presume que todos sejam inocentes (ou seja, que não agem de forma nociva), a priori, mas não declara que todos o sejam indefectivelmente. Podemos deduzir isso quando dizemos que “o juiz deve julgar com æquitas (equidade)”.
Semelhantemente, chegamos ao termo æqualis, o qual poderíamos supor se tratar do nosso adjetivo “igual”. Sim, ele equivale ao adjetivo “igual”, ao menos semanticamente. Porém, o significado que temos dele hoje não é o mesmo que tinha-se na origem. Como æquus, o adjetivo æqualis exprime ideia ligada à “justiça, equidade, licitude, justeza”. No entanto, com uma pequena diferença: æquus exprime a ideia de alguém ou algum objeto que age com justiça ou com comedimento (no sentido ativo), enquanto que æqualis é àquele que pode ser “justificado” por outrem e é passível de gozar dos mesmos direitos que esses.
Da última ideia exposta acima, advém algo realmente perigoso. Como diria Yuri Bezmenov, um “artifício subversivo”. Se a Lei tratar a todos como æqualia (“justificáveis”), o conceito de “igualdade” tratará, de forma discricionária (relativa e, portanto, iníqua), a todos como potencialmente inocentes ou potencialmente imputáveis, dependendo do critério de justificação. Se essa justificação não se basear por critérios “equânimes” (moralmente justos) e em ações objetivas, corre-se o risco de ver marginais serem tratados como vítimas e vice-versa. Ou seja, esse é um critério inteiramente móvel, embora seja sempre suavemente modificado.
Embora a Lei se baseie em fatos sociais objetivos, ela é interpretada em caráter subjetivo. Não, a Lei não trata a todos como idênticos, com os mesmos direitos e deveres, mas como iguais, ou “justificáveis”, donde Orwell pôde dizer que “alguns são mais iguais que outros” [2]. Não, não creio que, nesse caso, ele tenha usado esse aforismo como uma mera ironia ou jogo de palavras de efeito.
Ser ou não ser “justificável” (ou seja, passível de ser tornado justo) não é o mesmo que ter os mesmos direitos e deveres diante da Lei. Talvez na aparência, mas não em essência, ao menos. A correspondência entre os cidadãos se deveria se dar consoante a identidade de suas prerrogativas. Ora, a imunidade parlamentar de um deputado e a ausência de uma prerrogativa similar de um cidadão qualquer mostra o que quer dizer “todos os cidadãos são æqualia (“justificáveis”) perante a Lei”. É de sua posição social ou de seu cargo que dependerá sua “justificação” ou a disponibilidade de seus direitos e deveres.
Portanto, a genuína “igualdade”, que os cientistas políticos alegam terem os cidadãos, se exprimiria, na verdade, pela palavra identidade, que correlaciona as características de dois objetos ou seres em relação um com o outro, como a foto e a pessoa que ela representa. Isso é facilmente demonstrável pela teoria auto-gerada da Identidade de Gênero. Segundo seus arautos, o gênero (masculino ou feminino) que um sujeito, subjetivamente, assume, corresponde ao sujeito objetivamente, não importando de que gênero o seu corpo seja (biologicamente). Assim, a pessoa deve ser tratada como mulher se ela se declarar como tal, e seu corpo deve corresponder ao que ela pensa ser, mesmo tendo corpo masculino. Os dados biológicos sobre seu sexo passam a não mais ter precedência. Obviamente, essa teoria é repetida com tanta ignorância do que significa que salta aos olhos!
Voltando ao assunto anterior: por que as pessoas deveriam ter os mesmos direitos e deveres? Acho que elas poderiam ter algumas garantias fundamentais idênticas, mas não direitos iguais. Que direito pode ter um criminoso de receber auxílio-reclusão num valor maior que o salário mínimo de um trabalhador æquus (“justo, que respeita as leis”)? Não, as pessoas não são identicamente “justificáveis”. O ideal era que todos fossem æqui (“justos”), mas a verdade é que não haveria necessidade de leis para regular a sociedade se todos se portassem em harmonia com os outros e se desenvolvessem sem espírito de equidade. Mas, não, as pessoas não são iguais, não fazem as mesmas coisas e não têm a mesma disposição. Devem ser tratadas, todas, como seres humanos, porém distintos, e distintamente recompensados ou cobrados.
Nunca antes, na história desse paíze, a velha ironia de “roubar para ser preso” fez tanto sentido. Ou melhor, um mal sentido. A ampliação de garantias não pode se estender a todos, indistintamente. O Estado deve proteger os cidadãos, e não desampará-los ou expô-los ao perigo das consequências de suas políticas parciais. O único intuito da igualdade para todos é tornar os æqui (“justos”) imputáveis e “justificar” os inæqui (“iníquos, injustos, criminosos”). Relativismo moral e inversão de valores: eis a grande meta da Elite! Assim, aos olhos da “Lei” republicana, qualquer criminoso pode se elevar acima de qualquer homem virtuoso, não importando seus atos objetivos.
Iguais, sim, mas ao nível da lama. Livres, sim, para fazer o que a Elite manda, sem Moral, sem Virtudes, sem qualquer “deus”. Fraternos, sim, numa irmandade sem fronteiras, sem guias, sem Razão. Nunca, também, o lema maçônico revolucionário Libertas, Æqualitas, Fraternitas me soou tão desprezível e desumano!
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[1] Pronuncia-se, respectivamente, équus, éqüitas, equalis e equálitas.
[2] ORWELL, G. A Revolução dos Bichos. Arquivo (PDF, online). Edição R. C. Mores: 2000, p. 135. Disponível em < http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/animaisf.pdf >. || Mais sobre o Autor: < https://pt.wikipedia.org/wiki/George_Orwell >. Acesso em 6 de julho de 2015.
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