Buscando não perder o contato com meus amigos cristãos, trago à Luz, hoje, nova controvérsia dos Evangelhos para análise de todos. Obviamente, para alguns, tal controvérsia não é tão “nova” assim. Para outros tantos, é um tanto amarga e indigesta, tendo em vista seu apego ao ensino oficial estabelecido, do qual não conseguem se desatar nem por um milímetro, com receio de cair em “mortal heresia”.
Enfim, vamos aos trabalhos!
A controvérsia reencarnacionista é tão antiga quanto a própria Igreja Católica primitiva. Sim, creio que há apenas uma Igreja, apesar de ter sido dilacerada, por dentro e de fora dela. Com o advento do Kardecismo, essas disputas teológicas só fizeram ganhar notoriedade nos debates de todas as crenças e seitas, considerando a retomada da liberdade religiosa no Ocidente. Porém, parte dos cristãos primitivos cria, sim, na reencarnação, tendo nos neoplatônicos alexandrinos seus maiores exemplos. Os maiores nomes reencarnacionistas desse tempo foram Plotino, Porfírio, Amônio Saccas e, menos exposto, o cristão Tertuliano [1].
Em poucas palavras, esses antigos reencarnacionistas aplicavam à reencarnação o termo grego metempsicose, que significa, mais ou menos, “transferência da alma de um corpo a outro, em ciclos sucessivos” [2]. Havia variantes, obviamente, nessa linha de especulações e crenças, chegando ao absurdo de professar que almas humanas poderiam habitar corpos de animais inferiores ao ser humano. Mas, em geral, costumava-se crer que a alma humana voltava, ciclicamente, a manifestar-se na matéria através de um corpo humano.
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A CONTROVÉRSIA
Há muitas passagens bíblicas usadas por espíritas, atualmente, para advogar a teoria da Reencarnação. Não vou listar todas aqui, mas há, nesse link, uma síntese delas. Porém, sem encontrar refutação quanto à referência em nenhum autor da Patrística (nem mesmo algum atual), um versículo me chama a atenção por sua clareza e ausência de duplos sentidos, próprios das parábolas de Jesus. Em João, cap. 16, v. 28, Jesus diz, sem véus parabólicos:
Saí do Pai, e vim ao mundo; outra vez, deixo o mundo, e vou para o Pai.
Como é de esperar, os cristãos, tanto protestantes como católicos, farão suas críticas por três vias:
1) Por comparação, a passagem não pode estar se referindo à Reencarnação, por inconformidade com textos relacionados no Novo e, por último, Velho Testamento (quando falham no Novo, apelam às Escrituras judaicas);
2) Por se tratar de uma fonte usada por protestantes (de João Ferreira de Almeida, Corrigida e Anotada), os católicos tentarão desqualificá-la;
3) Por contorcionismos exegéticos, tentando intimidar o livre pensador com o dever de seguir o Magistério da Igreja (católicos fanáticos adoram se assentar nesse pedestal) ou a inspiração do Espírito Santo (nesse caso, os protestantes).
Refuto, pelas três vias, a seguir:
1) As palavras de Jesus precedem, em importância, a quaisquer pronunciamentos ditados sobre elas e feitos por quem quer que seja. Os Apóstolos poderiam, no máximo, confirmá-las diante dos homens, não aplicando qualquer interpretação particular sobre palavras claras. O próprio Cristo, no mesmo capítulo de João (v. 25), afirma que o que Ele estava dizendo não o dizia por parábolas, mas abertamente; e os Apóstolos, que o ouviam, repetem isso no v. 29.
2) Apesar de ser largamente utilizada por protestantes, a versão de João Ferreira de Almeida é a que mais é fiel à Vulgata Latina, o primeiro cânon completo aceito pela Cristandade Ocidental, compilada por São Jerônimo em fins do séc. IV. Isso pode ser atestado se formos ao referido versículo, na Vulgata Latina, como lemos abaixo [3]:
Exivi a Patre et veni in mundum; iterum relinquo mundum et vado ad Patrem.
Para não deixar dúvidas, colamos abaixo o mesmo versículo da antiga versão do Novo Testamento grego, chamada de Textus Receptus [4], que também serviu de base à compilação da Vulgata, feita por São Jerônimo:
Eξηλθον παρα του πατρος και εληλυθα εις τον κοσμον παλιν αφιημι τον κοσμον και πορευομαι προς τον πατερα.
Transliterando:
Exélthon pará tou Patros kai elelytha eis ton Kósmon; pálin aphiémi ton Kósmon kai poreyomai prós ton Pátera.
Os termos iterum (latim) e παλιν (pálin, grego) exprimem uma só ideia: “outra vez, de novo, novamente” [5]. Ou seja, denotam repetição de algo. Da mesma forma, do mesmo jeito. Enquanto outras versões de “bíblias”, tanto católicas como evangélicas, se servem, essas sim, ao espúrio papel da adulteração e da fraude intencional, as mais antigas versões do cânon não deixam dúvidas: Jesus afirma que já desceu à terra, na forma carnal, ao menos duas vezes.
Prove o contrário quem puder!
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NOTAS:
[1] TERTULIANO. Ad Nationes, Liber I, 19, 4. Disponível em < http://www.tertullian.org/latin/ad_nationes_1.htm >. Acesso em 13 de julho de 2005.
[2] O termo é encontrado em Pitágoras e Platão. Acredita-se que Pitágoras aprendeu seu significado com os egípcios, que por sua vez aprenderam com os indianos. A problemática desse raciocínio é a divergência entre as crenças. Platão e os indianos não acreditavam na metempsicose. Utilizavam o termo na ausência de outro como sinônimo de reencarnação. Já os egípcios, estes sim, acreditavam na metempsicose (como ela é descrita aqui). Dessa maneira, sendo o termo grego, há polêmica quanto ao seu significado. Fonte: Wikpedia. (Vide: SPINELLI, M. A tese pitagórico-platônica da Metempsicose como “Teoria Genética” da Antiguidade. Revista Educação e Filosofia. Uberlândia, v. 27, n. 54 (2013), p. 731-754.)
[3] BIBLIA ONLINE. João 16. (Visualização das versões Almeida Corrigida e Fiel com Nova Vulgata, em latim). Disponível em < https://www.bibliaonline.com.br/acf+tnv/jo/16 >. Acesso em 13 de julho de 2015.
[4] BIBLIA ONLINE. João 16. (Visualização das versões Almeida Corrigida e Fiel com Textus Receptus, em grego). Disponível em < https://www.bibliaonline.com.br/acf+receptus/jo/16 >. Acesso em 13 de julho de 2015.
[5] Consulte o Tradutor do Google, para: 1) o termo iterum < https://goo.gl/PDKsEn >, e; 2) para o termo παλιν, ou pálin < https://goo.gl/Bgk5gT >.
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