Vou contar-lhes uma estória que me surgiu à mente, hoje, tendo como inspiração o Molusco que agora se arrasta pelos gramados altos de Brasília. Curiosamente, o personagem desta fábula não é aquele animal com nove tentáculos malemolentes, mas um besouro rola-bosta, aquele que deposita sua prole no meio do cocô fresco.
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Os tucanos e outras aves de rapina, que reinavam fagueiros a partir do alto das árvores da chácara de Brasilândia, perceberam que suas fezes já não enganavam mais os trabalhadores do campo. Seus excrementos não mais engendravam aqueles arbustos exóticos nem fertilizavam a ilusão dos animais da floresta.
Após algumas temporadas de chuvas de pedras, tal como uma surra vinda do céu de brigadeiros e cacetadas de trovoadas, as rapineiras e os tucanos de colarinho branco entraram em concerto para decidirem como renovariam a plantação de abobrinhas e como fariam os trabalhadores do campo engolirem sapos.
Após algumas longas conferências nos ocos e velhos jacarandás, chegaram a uma estratégia para aquela chácara cercada de bananeiras por todos os lados. Usariam insetos que se alimentam de fezes para provarem aos animais da floresta que há coisa pior que o estelionato de suas promessas. Esses insetos depositariam sua prole imunda dentro de generosos fardos de cocô fresco, cagados por jumentos, indicando que as fezes de seus ânus falantes ainda tinham melhor serventia do que os daqueles trabalhadores do campo.
Um inseto, em particular, lhes chamou a atenção: o besouro conhecido como rola-bosta. Ele surgia, muito inocentemente, retirava bolinhas de bosta dos jumentos e depositava, ali, seus ovos. O alimento fresco e verde, saído direto do intestino daqueles animais de carga, tão sofridos como lentos para aprender as lições da servidão, nutria o afã de reprodução parasitária, própria dos insetos. As rapineiras e os tucanos, então, contrataram o besouro rola-bosta para colonizar aquela chácara, especialmente os locais por onde os jumentos passavam. O chefe dos besouros rola-bostas poderia monopolizar toda a merda produzida na chácara, e espalhar, por todos os cantos, sua prole.
O negócio do chefe dos rola-bostas foi crescendo, já que sua prole maldita foi monopolizando os grandes carregamentos de cocô fresco despejados pelos jumentos por toda a chácara. Não demorou, e as rapineiras perceberam que o chefe dos rola-bostas tinha saído melhor que a encomenda, a saber, expor os trabalhadores do campo à sua ineficiência, já que um simples e insignificante besouro escalador de cocô havia mostrado como se deveria explorar e sugar toda podridão para ter sucesso.
As aves parecem querer combater os besouros comedores de cocô. Mas sabem apenas comer coquinhos e frutos, cagando a floresta com suas fezes aparentemente úteis à Vida. No fundo, são mesmo egoístas e vis aves sem emoções. Querem para si o alto das árvores e as vísceras dos animais de carga, aqueles que duramente trabalham para sulcar o solo para que nele deitem-se as sementes das riquezas. Corvos, urubus, abutres, corujas e até tucanos rivalizam entre si e ensaiam uma perseguição aos besouros. É tarde. Ou nem tanto.
Aos besouros, juntam-se moscas varejeiras e vespas, todas ávidas em comer merda e carne fresca. O chefe dos rola-bostas sonha com um destino de rei da floresta, cercado por seu séquito de insetos, parasitas e ideias de merda. Desafia os voos rasantes das aves, suas contratantes secretas. Escala o mais alto dos montículos de merda de Brasilândia e declara que toda a merda que sai das entranhas dos mamíferos e das aves pertence a ele e sua prole parasita. Por duas vezes, sobe e desce, colocando, por ora, uma tal mosca morta para administrar o suprassumo do cocô. Retoma a investida e, quando os jumentos resolvem galgar seu montículo de cocô com seus cascos bichados, ele se esconde no mais profundo da merda fresca.
Lá está ele, aguardando seu destino final: ser pisado pelos jumentos, estraçalhado pelas aves bicudas, expulso por seu cortejo de varejeiras ou, por sua persistência, entre um surto histérico e outro, voar para o mais alto dos montes de merda, em uma nova oportunidade de negócios, ao fim de sua vida medíocre. Enquanto isso, os jumentos continuam a trabalhar e trepar em suas companheiras famintas e mal-amadas; as aves seguem sua carreira interesseira de consumo da carniça dos jumentos; as moscas se proliferam, aqui e ali, levando a doença, a pereba e o colorido das ideias enganosas.
E o trabalhador dos campos de Brasilândia? Bem, os únicos que trabalhavam em Brasilândia eram, mesmo, os jumentos. Porém, não deixem que eles se deem conta de sua condição de escravos. Alguém tem que empacar, em algum lugar, em Brasilândia. Principalmente, nas segundas-feiras, durante os Carnavais e em dias de Copa do Mundo.
É só mais um aperitivo…
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