No fim das contas, o ser humano é apenas uma criança assustada, sem saber quem são seus pais, esquecida numa estação do tamanho de um planeta, com sua mente alcançando as estrelas do Céu. Sem saber aonde ir, resta-lhe o confinamento num corredor qualquer da Estação Terra. São seus pais as estrelas, os deuses, humanos transformados em cristais de luz?
Quem tem, em média, 40 anos de idade, deve se lembrar daquele filme, Esqueceram de Mim, em que Macaulay Culkin encenava um menino que fora esquecido em casa, sozinho, enquanto seus irmãos e pais viajaram para as festas de Natal.
Esse é o drama delicioso de se ver livre em casa, mas abandonado à própria sorte. Se morrer, morrerá só. Por isso, o ser humano inventa, como o Náufrago, amigos imaginários, anjos-da-guarda, deuses e Mestres secretos para que não se sinta só em seus momentos decisivos, os quais ele sabe, embora não queira lembrar-se disso, que terá que viver por si mesmo.
“A Vida é séria e a Guerra é dura”, como cantava Raul Seixas. Sim, a Vida é uma brincadeira séria, vivida como um passatempo, com tempo marcado, embora ignorado. A Guerra é dura, embora as religiões, esses doces bálsamos infantis, nos façam crer que, tal como em “A Vida é Bela”, tudo não passa de um jogo ao fim do qual apenas o Soldado, chamado Morte, deva esquecer de nós.
Se nosso Pai do Céu esquecer de nós, seja Ele quem for, a Morte não nos esquecerá. Trazemos o Fim dentro de cada um de nós, enquanto nossa Origem segue sendo um enigma. Resta-nos assistir ao fim do filme, queiramos ou não.
Ainda, nesta nossa pequena reflexão, cabe uma citação de Milan Kundera:
Não existe meio de verificar qual é a boa decisão, pois não existe termo de comparação. Tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida? É isso que faz com que a vida pareça sempre um esboço. No entanto, mesmo “esboço” não é a palavra certa porque um esboço é sempre um projeto de alguma coisa, a preparação de um quadro, ao passo que o esboço que é a nossa vida não é o esboço de nada, é um esboço sem quadro.
(Milan Kundera: A Insustentável Leveza do Ser, cap. III, 1984.)
Otima analogia!
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