Simples mortal


Vejo que as pessoas superestimam uma suposta sinceridade como virtude, como se fosse um must, um tremendo diferencial. A partir da originalidade porra-louca, extravagâncias e os delírios mais toscos são permitidos a fim de anestesiar a alma aflita por um mundo em mudanças incontroláveis. Até um assassino pode ser sinceramente assassino, ou um estúpido ser estúpido sem medo de ser feliz. Mas, a sinceridade arrogante e patética – deboche moderno – já não basta às massas ávidas por esquisitices várias.

Muitos dos termos adocicados artificialmente pela esfera esquisotérica, meio New Age, meio reacionária, tais como “espiritualidade”, se proliferam como vírus. Para encontrar novas soluções para velhos problemas emocionais e existenciais, cria-se uma miríade de novas ideologias esdrúxulas.

Acho que tudo da Vida é muito simples de entender. A maior parte do que há de bom no ser humano já não passa de tentativa de superar o fingimento diário; de limpar a consciência atolada na culpa inútil; de cobrir o vexame por não sermos super-poderosos, por termos acreditado, por tanto tempo, em salvadores humanos ou alienígenas que nos tirariam, em um piscar de olhos, de nossa mediocridade e de nossa miséria terrena. E se patinamos nesse pântano melodramático é pela fragilidade que assola as mentes modernas (especialmente as ocidentais), tão submissas à tirania do politicamente correto e do relativismo moral.

Muitas das seitas surgidas nos últimos séculos, especialmente as derivadas do iluminismo, pregavam fórmulas mágicas, ou científicas, para chegarmos ao esclarecimento acerca do que somos e dos meios de alongar nossa vida sobre a Terra. Curiosamente, sempre complicaram mais as coisas do que esclareceram. E esclarecimento nos remete à ideia da lucidez.

Estar lúcido implica em não obstar o caminho da luz; em saber-se nu, nem mais feio ou mais bonito; em olhar-se de longe, olhar tudo de longe e de forma ampla, sem afetação; não deixar a imaginação tomar conta de nossa rotina como se, do turbilhão revolto das dores diárias, tivéssemos que nos deixar levar pela anilina dos algodões-doces para mantermos a nós mesmos de pé, atingidos pela vertigem de um mundo que não nos espera, de um trem da vida que não sabemos quando chega ou quando parte de vez.

Audiobook completo de Meditações, clássico da Filosofia estoica, por Marcus Aurelius, Imperador Romano.

Ser iluminado implica em aceitar a própria limitação que, por incrível que pareça, não pressupõe um fim, mas adaptação às transições que o fluxo do Tempo nos outorga. Por isso, ser imortal, como infantilmente deseja o ser humano – e que, por isso, o faz querer morrer por ter-lhe sido negado pela natureza, ou por ser essa utopia antinatural – pode significar viver em “várias moradas da Casa do Pai”, e não apenas em uma, da forma como deseja nosso ser medroso e apegado. Não sou mortal, estou mortal. Se estou na mortalidade, se posso morrer, é porque estou vivo. Não sou vivo, estou vivo. Somente Deus é vivo, pois somente Deus é.

Eis-me mortal aqui: com sorte, um fim sem dor; com mais sorte, um jump póstumo para uma dimensão menos horrível e hostil. Com sorte, eu disse. Sem sorte, aí sim, continuo com pés neste chão, por ora, e com meus olhos fixos nas estrelas.

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Por Júlio [Ebrael]

Blogger, amateur writter, father of one. Originally Catholic, always Gnostic. Upwards to the Light, yet unclean. // Port.: Blogueiro, poeta amador, pai. Católico, casado. A caminho da Luz, mas sujo de lama.

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